As Guardiãs do Norte: As Oliveiras Ancestrais de Trás-os-Montes
- Azeite a Norte
- há 3 dias
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Há árvores nesta terra que viram passar mais gerações do que conseguimos contar. Árvores que estavam aqui quando os romanos chegaram, que sobreviveram às invasões bárbaras, aos mouros, à peste-negra, às guerras e às secas. Árvores que alimentaram os bisavós dos nossos bisavós e que hoje, séculos depois, continuam a dar o ouro líquido que define quem somos.
Estas guardiãs silenciosas não estão em museus nem em livros de história. Estão aqui. No Norte de Portugal. Em Vila Nova de Foz Côa, Torre de Moncorvo, Mogadouro, Mirandela, Bragança, entre outros municípios. Enraizadas no xisto da Terra Quente, com os troncos retorcidos pelo tempo e os ramos ainda estendidos ao céu.
No Dia Mundial da Oliveira, não celebramos apenas uma árvore. Celebramos testemunhas vivas da nossa história. Celebramos as Guardiãs do Norte.
Vale do Côa: Onde as Oliveiras Contam Histórias de Séculos
No coração do Alto Douro, numa terra mundialmente conhecida pelas suas gravuras

rupestres paleolíticas, existe outro tesouro. Um tesouro vivo, verde e centenário.
O projeto OLIVECOA, liderado pelo Instituto Politécnico de Bragança com o Centro de Investigação de Montanha (CIMO), identificou e estudou 150 oliveiras centenárias na região do Vale do Côa. Não são oliveiras comuns. São árvores que atravessaram séculos, que testemunharam a passagem de civilizações inteiras e que produzem ainda hoje azeitonas únicas no mundo (https://olivecoa.pt/)
Ao contrário de outras regiões onde as oliveiras centenárias foram arrancadas para dar lugar a olivais intensivos, aqui, nesta terra de xisto e sol escaldante, as velhas guardiãs resistiram. E guardam segredos.
Cada oliveira foi estudada detalhadamente – biometria do tronco e copa, características das folhas, frutos e caroços. Depois, as azeitonas de cada árvore foram colhidas separadamente e transformadas em azeite para estudar o que as tornava especiais.
O resultado foi extraordinário.
Os azeites produzidos por estas oliveiras centenárias têm perfis organolépticos únicos, com notas de abacaxi, cereja e ameixa – características que não existem em azeites de outras regiões ou de oliveiras mais jovens.
Cada oliveira centenária, com as suas raízes afundadas há séculos no mesmo solo, adaptada ao mesmo microclima, produz um azeite com uma assinatura irrepetível. É terroir no seu estado mais puro. É uma história engarrafada.
A Terra Quente: Onde o Norte Faz Azeite de Ouro
Trás-os-Montes, especialmente a chamada "Terra Quente", é a segunda maior região produtora de azeite em Portugal, depois do Alentejo. Mas não é pela quantidade que nos definimos. É pela identidade.

Esta região transmontana é uma terra feita de montanhas e planaltos de xisto, agreste mas de beleza brutal. Uma terra onde o Douro serpenteia entre vales profundos, onde as amendoeiras cobrem os socalcos de branco e rosa na primavera, e onde as oliveiras – ah, as oliveiras! – reinam absolutas.
Aqui, as variedades tradicionais transmontanas têm nomes que soam a poesia: Verdeal Transmontana, Cobrançosa, Madural, Santulhana, Cordovil, Galega, Redondal. Variedades que existem há séculos, perfeitamente adaptadas a este "terroir" único de xisto, frio invernal e sol abrasador no verão.
O Azeite de Trás-os-Montes DOP é equilibrado, com cheiro e sabor a fruto fresco, por vezes amendoado, com sensações notáveis de doce, verde, amargo e picante.
É um azeite que fala da terra de onde vem.
As Oliveiras que a Ciência Salvou
Mas nem tudo são boas notícias.
Durante décadas, com a pressão para modernizar, milhares de oliveiras centenárias foram arrancadas em Portugal. Consideradas "improdutivas", "difíceis de colher", "antiquadas", foram substituídas por olivais intensivos de produção rápida.

O que se perdeu não foram apenas árvores. Perderam-se variedades ancestrais, biodiversidade genética única, conhecimento tradicional acumulado ao longo de gerações e uma ligação histórica e cultural insubstituível.
Felizmente, a ciência veio dar valor ao que muitos consideravam dispensável.
A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) desenvolveu um método patenteado para datar oliveiras centenárias, mesmo quando o tronco está oco – algo que nenhuma outra instituição no mundo conseguia fazer com precisão. (https://www.noticiasaominuto.com/pais/1094665/investigadores-dataram-oliveira-com-3350-anos-como-a-mais-velha-do-pais)
Graças a este método, hoje sabemos quantos séculos têm as árvores que estavam em risco de desaparecer. E quando se prova cientificamente que uma oliveira tem 800, 1000, ou até 1500 anos, torna-se muito mais difícil justificar o seu arranque.
Um Ano de Trabalho, Séculos de Gratidão
Como já partilhámos noutros artigos do nosso blog, uma oliveira não é uma planta que simplesmente existe. Precisa de cuidados ao longo de todo o ano (https://www.azeiteanorte.pt/post/oliveira-um-ano-de-trabalho).
Da poda no inverno rigoroso transmontano à colheita no outono dourado. Da manutenção dos solos pedregosos à fertilização na primavera. Dos tratamentos fitossanitários à rega – porque, sim, mesmo sendo plantas de sequeiro, em anos de seca extrema até as velhas guardiãs precisam de água.
Agora imaginem multiplicar esse cuidado por séculos. Por milénios.
As oliveiras centenárias de Trás-os-Montes e Alto Douro são o resultado do trabalho de centenas de gerações de agricultores. Cada poda, cada colheita, cada gesto de atenção perpetuou estas árvores e permitiu que chegassem até nós.
Os nossos antepassados não podavam apenas para a colheita do ano seguinte. Podavam pensando nos filhos, nos netos, nos bisnetos. Plantavam oliveiras sabendo que só os seus descendentes provariam o azeite delas.
É isto que significa pensar a longo prazo. A muito longo prazo.
O Que uma Oliveira Centenária Nos Ensina
Num mundo obcecado com resultados imediatos, com métricas trimestrais, com retornos rápidos, as oliveiras centenárias de Trás-os-Montes ensinam-nos outra coisa.
Ensinam-nos paciência. Uma oliveira nova demora 7 a 10 anos a produzir. Uma centenária esperou décadas até atingir a maturidade plena.
Ensinam-nos resiliência. Sobreviveram a secas que mataram colheitas inteiras, a invernos que racharam troncos, a pragas, doenças, guerras. E continuam de pé.
Ensinam-nos generosidade. Dão frutos todos os anos, mesmo nos piores. Alimentam geração após geração sem pedir nada em troca.
Ensinam-nos enraizamento. As suas raízes vão tão fundo que tocam camadas de solo que outras plantas nunca alcançam. É por isso que sobrevivem onde outras morrem.
E ensinam-nos adaptação constante. As oliveiras estão em permanente rejuvenescimento. Enquanto a parte velha morre, emitem novos rebentos, regeneram tecidos novos. É um processo quase infinito. É por isso que uma oliveira, se bem cuidada, pode viver praticamente para sempre.
Olivoturismo: Conhecer as Guardiãs ao Vivo

O projeto OLIVECOA não se limitou à ciência. Criou também novos itinerários para que as pessoas possam caminhar entre estas árvores centenárias e compreender o que significam.
O olivoturismo em Trás-os-Montes e Alto Douro não é "mais um produto turístico". É uma peregrinação às nossas raízes.
É caminhar por olivais que foram plantados pelos nossos trisavós. É tocar em troncos que têm mais histórias do que qualquer livro. É provar azeite produzido por árvores que alimentaram gerações antes de nós.
É compreender, de forma visceral e inegável, que somos apenas mais um elo numa cadeia que começou há séculos. E que temos a responsabilidade de garantir que esta cadeia não se quebre nas nossas mãos.
Visite os olivais centenários do Vale do Côa. Conheça as quintas da região. Fale com os produtores que ainda cuidam destas árvores como se fossem família – porque, de certa forma, são. Prove o azeite que sabe a abacaxi, a cereja, a ameixa.
Prove a história líquida de Trás-os-Montes.
As Guardiãs Continuam
Hoje, 26 de Novembro, em todo o mundo celebra-se a oliveira.
Mas aqui, em Trás-os-Montes e Alto Douro, celebramos algo mais profundo.
Celebramos árvores que sobreviveram a impérios, a guerras, a pandemias, a mudanças climáticas. Árvores que continuam a produzir, geração após geração, o ouro líquido que nos define.
Celebramos os agricultores que, contra todas as pressões económicas, contra todas as tentações de "modernizar", escolheram manter as velhas guardiãs de pé.
Celebramos uma região onde o tempo ainda corre de forma diferente. Onde se pensa em séculos, não em trimestres. Onde se planta para os netos, não para o lucro imediato.
Celebramos as Guardiãs do Norte.
E enquanto elas estiverem de pé, com as suas raízes profundas no xisto transmontano e os seus ramos estendidos ao céu, saberemos que há algo que permanece. Algo que resiste. Algo que nos liga ao passado e nos projeta para o futuro.
Feliz Dia Mundial da Oliveira!

Que possamos, todos nós, aprender com estas guardiãs centenárias a arte de criar raízes profundas, de nos regenerar constantemente, de dar frutos generosamente, e de atravessar os séculos com dignidade e graça.
Referências:
https://olivecoa.pt/ https://bibliotecadigital.ipb.pt/entities/publication/9e0b6517-bc9d-45ff-8d3f-7d4146e39e6a https://www.publico.pt/2024/09/08/local/noticia/floresce-venda-oliveiras-centenarias-milenares-criar-azeite-diferente-2103187#
https://www.noticiasaominuto.com/pais/1094665/investigadores-dataram-oliveira-com-3350-anos-como-a-mais-velha-do-pais https://noticias.utad.pt/blog/2018/10/09/oliveiras-idade-cristo/ https://noticias.utad.pt/blog/2022/01/17/oliveira/
